Diga à editora que eu a mandei ir se f**er!

 


Publicar em plataformas gratuitas tem os seus altos e baixos. Muitos autores dedicam a maior parte do dia para os seus trabalhos independentes em formato e-book, mas os resultados nem sempre são suficientes. Não que haja algo de errado com isso. Longe de fazer qualquer crítica a esse formato. Pelo contrário, o trabalho autônomo e independente é muito bom, de grande coragem e ousadia de um escritor e deve ser incentivado e valorizado. O caso é que, para a maioria, o sonho de ter o seu querido livro impresso (em suas mãos e nas livrarias) não dá para ser suprido por um e-book independente. Alguns consideram o e-book como a primeira etapa para se chegar ao livro físico. O problema é achar uma editora e conseguir ser atendido por ela. São tantas dificuldades para se publicar um material impresso que chega a ser desestimulantes, começando pelo orçamento. Aliás, é necessário destacar a diferença entre uma editora tradicional e uma editora prestadora de serviços. Isso diz muito sobre as questões burocráticas, orçamentárias, a comunicação entre editora e autor, os resultados e até os abusos (muito cuidado!). Não é sobre uma prestar e a outra não. Só o autor (e o tipo de autor) pode fazer esse julgamento. No entanto, o buraco é mais embaixo (tipo, no fundo do poço) quando se trata de um autor novo no mundo literário.

É muito comum o desânimo de um autor mantê-lo afastado do papel e da caneta por um período. Isso pode acontecer com uma resposta negativa de um edital de antologia, de um comentário meio ofensivo de um internauta desocupado, de uma bronca desnecessária de um parente que não vê utilidade no que ele tanto se dedica a escrever ou de um plano que acabou não dando muito certo na sua lista de afazeres literários do ano. O tempo para se recuperar e voltar a escrever é muito particular. Alguns demoram poucas horas, outros precisam de dias, semanas, meses e até anos para voltar. Nunca se sabe o que se passa na cabeça de cada escritor (ainda mais quando ele está começando a publicar). Porém, quando o desânimo bate por causa de uma editora, as reflexões podem não ser suficientes para ajudá-lo. A noção de grandeza no mundo da literatura o transformou em uma tampinha de garrafa pet. Qual foi a resposta? Se é que teve alguma resposta. Muitas nem dão um retorno, pois a caixa está lotada ou nem mesmo teve um interesse em saber o que se passava naquele material enviado com tanto amor e carinho. Não que a editora tenha coração de pedra, é que ela pode ter um público muito específico, tipo autores estrangeiros traduzidos e grandes personalidades de influência digital literária. Calma. Por ser que, um dia, dê para chegar lá.

Imagine a situação de um autor que, ao abrir sua caixa de mensagens, recebeu uma resposta negativa da editora com a seguinte declaração: “sua obra não se encaixa nos padrões da editora. Não é bem isso o que procuramos”. Bom, tudo bem. Não há nada de errado nisso. Acontece. Não foi dessa vez, mas pode ser na próxima (em outra editora, se for o caso). Um “não” faz parte da vida de quem corre atrás dos próprios sonhos. E o autor que recebeu uma resposta positiva com as seguintes “ressalvas”: “sua obra tem muito conteúdo e é profunda, mas você não sabe construir os parágrafos do jeito certo”; “seus poemas vão ter que passar por correção ortográfica por causa de alguns erros gramaticais”; “a história é muito interessante e nós temos interesse, mas você vai ter que mudar esse desfecho e retirar a cena do beijo entre dois homens, pois não publicamos esse tipo de coisa”? Nem que seja somente nos primeiros minutos após a leitura da resposta, ele deve ter se arrependido do trabalho que levou para submeter o seu material para avaliação. Teria sido melhor não ter recebido resposta alguma. A inveja de quem foi deixado de lado pela editora martela sua cabeça. O que o escritor representa de fato? Um sujeito de pensamentos, ideias, sentimentos e formas de expressão com as suas particularidades ou um potencial reprodutor de métodos de produção literária quase mecânica para o mercado? Ele deve abandonar a si próprio, as suas palavras, a sua escrita e o seu trabalho para se submeter a isso? De forma alguma. Ninguém deixa de ser escritor por insistir na sua forma de escrever.

Não é porque o autor gosta de escrever em primeira pessoa do singular e no pretérito que os seus parágrafos sejam mal construídos. O que parece ser o presente pode ser um passado muito recente, como o que aconteceu pela manhã e foi escrito durante a noite. Ficou ruim porque se parece um diário de adolescente ou porque não é o que as obras publicadas pela editora adotam como modelo de construção de narrativa? Só existe uma então? E se um poeta usa e abusa de sua licença poética para escrever palavrões, gírias e palavras com letras trocadas? Tem algo de errado em conjugar “tu” e “nós” em terceira do singular? Com certeza tem se o texto for uma crônica jornalística ou uma bula de remédio, mas um poema não. Está tudo na mais perfeita (des)ordem. Aquilo não foi um descuido ou uma falta de conhecimento, foi poético, proposital e momentâneo. Não é para se passar a boiada como se esses meros detalhes não tivessem significado algum para o poeta. Qualquer letra, palavra ou elemento do texto literário pode ser a vida do autor. O que seria dele se a editora “exigisse” recortes, exclusões e mudanças? O protagonista não pode ser gay e muito menos ter o seu ‘felizes para sempre’, pois isso afeta os “valores” da editora. E se esse protagonista fosse o autor? E se esse ‘felizes para sempre’ fosse o maior sonho dele? Que tipo de editora trata o autor assim?

A liberdade para viver, escreviver, se inspirar e se expressar parece valer muito mais do que status e lucro com as vendas de um padrão de construção literária adotado pelo mercado editorial. O que está em jogo é muito mais do que o direito do autor em falar por si e por sua vida como escritor. As proporções podem chegar na sua vida pessoal, na sua autoestima, no seu refúgio na literatura e no real significado que tudo isso tem para ele. Assim como não há “modelo de escrita literária correta”, não há “modelo correto de escritor”. É impossível juntá-los e transformá-los em uma coisa só, padronizada e repetitiva, como se todos fossem grandes impressoras digitais. O autor é tão corajoso que consegue juntar forças de ontem não tem para poder confrontar e rejeitar essas respostas infelizes. Se isso significa continuar só com os e-books independentes, é a melhor decisão que o autor toma para si e suas obras (pelo menos, até encontrar a editora ideal).

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