Carta aberta ao ator Victor Capeto

Querido Victor Capeto,

O ano mal começou, mas ficamos presos em um domingo que não se acaba. Há quantos dias nós estamos no domingo? Ele começou na véspera de Natal e continua até hoje. Como o domingo é tedioso... Queria que ele acabasse logo sem começar uma segunda feira. Ah, eu quase me esqueci. Nós estamos de recesso. Bom, pelo menos eu estou (parcialmente). O que dá para se fazer em um mês com metade do horário livre? Eu não consigo pensar em nada que seja distante da minha cama. Me sinto tão deprimido aqui. Eu estava me lembrando dos nossos ensaios no São Francisco e no Itapiracó. Na maioria das vezes, eu fui o primeiro a chegar (tipo, com horas de antecedência). É um hábito que não sei explicar. Até que eu gostava de ficar deitado no banco de madeira do jardim, olhando um céu distante da minha casa. Ele tomava conta dos meus problemas de casa enquanto a gente andava em círculos, dançava e fazia a Terra de Matuto acontecer. Acredita que eu ainda assisto ao nosso espetáculo no YouTube? Esse foi o melhor festival que eu já participei, apesar das dificuldades que enfrentamos antes, durante e após a apresentação. Não faz mal. A gente supera isso. A gente sempre consegue superar tudo. Quem vive de arte sabe como é a dura realidade.

Primeiro, eu gostaria de agradecer o apoio durante as aulas de teatro e os ensaios do espetáculo. Não poderia ter ingressado em uma equipe melhor. Tudo se encaixou (im)perfeitamente. No começo foi tão difícil... Quase não conseguia nem ouvir alguém chamando meu nome. Durante vários ensaios eu pensei em desistir de tudo. Eu não conseguia me adaptar e nem sabia direito o que estava acontecendo comigo. O número de desistentes do festival aumentava, os imprevistos tomavam conta dos horários, as aulas aconteciam junto com alguns ensaios... O que se passou na minha cabeça?

"F***-se tudo! Eu quero ser ator! Então, vamos ensaiar!"

Alguns sonhos parecem tão (im)possíveis que nem mesmo os grandes passos de largada garantem o sucesso. Você me mostrou como o esforço pode não resultar em troféus, mas em momentos que ficam para sempre na trajetória. De que adianta jogar migalhas de pão para marcar um caminho se os pássaros vão comer tudo? Se os pássaros comem, eles vivem. Eles podem guiar a gente de volta para casa ou para onde o destino decidir. Um dia, a gente também vai criar asas e voar pelo mundo. São tantos teatros, tantas praças... Tantas ruas... Tantos lugares para apresentar. A plateia nunca fica vazia, pois os bancos dos céus sempre lotam de estrelas. Elas acompanham cada montagem, cada trabalho sem deixar nenhum detalhe para trás. O que fica para trás são as gotas de suor que o sol se encarrega de secar. Por isso é importante saber a hora certa de voltar para não correr o risco de escorregar. Aliás, falando em futuro e passado, eu estou curioso para saber o que mais você anotou na sua lista de planos para 2021. Tenho certeza de que são melhores do que os do ano passado.

Segundo, eu gostaria de dizer que vou querer comprar meu ingresso no primeiro lote para o espetáculo Roma Remonta. Acompanhei os stories de alguns ensaios e reuniões realizadas pelo Grupo Remonta e meu chapéu já voou para bem longe antes mesmo que eu pudesse tirá-lo para todos vocês atores, atrizes, diretor, dramaturgo, cenógrafo, maquiadora, figurinista e sonoplasta (faltou mais alguém?). Alguns enxergam apenas um espetáculo para entretenimento e diversão. Assim como você, eu enxergo meses de muito esforço, trabalho duro, ensaios, investimentos e dedicação. Não é só um trabalho, é um pedaço da vida sendo construído para durar poucas horas. É um momento que vai ficar marcado para sempre na história de cada um do grupo e de quem estiver sentado prestigiando tudo. 

No fim, o cenário é desmontado, os itens são recolhidos e os atores correm até o primeiro ponto de ônibus: 

"Às vezes, não dá nem tempo de tirar parte do figurino e da maquiagem." - Pensei nisso quando voltei para casa após o nosso espetáculo em 2019. 

Naquela época, eu ainda fazia teatro escondido da família inteira. Quase não consegui esconder as peças que levei comigo. Eles pensavam que fossem itens de uma suposta exposição que organizei em uma feira de ciências (fictícia). É o que pode acontecer contigo, comigo e com todos. As barreiras são incontáveis, mas elas não impedem a gente de viver e fazer arte. Elas só alteram o percurso e prorrogam o tempo. Todo palhaço esconde seus macetes no nariz, por isso que é grande e vermelho. É por isso que a gente é mais forte do que parece. É por isso que ninguém pode apagar as nossas estrelas.

Eu não sei o que vai acontecer daqui até o final do ano, mas eu sei que tenho um espetáculo para assistir e um amigo para abraçar. Essas são as primeiras coisas que pretendo fazer quando eu puder sair de casa. Espero que não demore tanto tempo para essa pandemia acabar. 

Com amor,

Jojo Campos



Comentários

Postagens mais visitadas