Carta aberta ao autor Lucas Cardoso

Querido Lucas Cardoso,

Janeiro está passando tão rápido... O que será que deve ter acontecido? Eu pisquei os olhos e o dia da nossa colação de grau chegou. Foi uma verdadeira catástrofe! Passei tanto tempo esperando por uma bela cerimônia ao ar livre, nos jardins da universidade, com várias cadeiras enfileiradas sobre o gramado e uma passarela vermelha enorme bem no centro. Os formandos entram dançando, cantando e pulando enquanto os confetes e os fogos de artifício deixam os céus bem coloridos durante uma noite inteira e inesquecível. O que aconteceu de verdade? A passarela foi trocada por um corredor apertado, as cadeiras viraram um banco de espera, o ar livre foi fechado em um auditório com um ar condicionado defeituoso, a entrada dos formandos virou uma fila de jovens aglomerados, trocando empurrões e reclamando de tudo, inclusive das atas que ainda não estavam no horário marcado para cada turma assinar. Era só pegar o diploma e ir embora, mas isso demorou horas. Será que dá para chamar isso de colação de grau? Eu só recebi o diploma. O histórico ainda não estava disponível. Eu vou ter que voltar à universidade para recebê-lo. Pelo menos, não vou precisar enfrentar essa cerimônia desastrosa de novo. E você? Como foi a sua colação de grau? 

Não precisa me responder. Eu sei que foi um desastre também. É engraçado como tudo acontece. Nós moramos em regiões diferentes, em realidades não tão diferentes. Nos formamos no mesmo dia, nos decepcionamos com a mesma coisa. Nossas expectativas não eram tão grandes assim. Não precisava de confete, de fogos de artifício, de dança e de música. O que queríamos era uma cerimônia simples, humilde, com o rito de solenidade e a presença daqueles que nos apoiaram nessa longa jornada até a formatura. Me lembro de ter visto uma cadeira de madeira no centro de um palco vazio do auditório. Os formandos dos cursos de direito e psicologia contrataram fotógrafos para a tradicional foto com o diploma na mão. Eu estava tão triste e tão agoniado no meio de tanta gente que nem me preocupei com essa foto. Não me sinto nada arrependido por ter deixado isso para trás. Aquilo não foi um dia que eu gostaria de guardar para sempre em uma lembrança. Ninguém estava naquele auditório comigo. Eu entrei sozinho, sendo o único formando da minha turma, e saí com um envelope e o estômago doendo de fome. Cada segundo parecia uma eternidade naquele sufoco.

Quando eu cheguei em casa, adivinha só. A Peteca veio me parabenizar pelo meu dia. Ela sentiu que eu precisava daquele abraço de patas meio encardidas do quintal e daquela lambida molhada no meu rosto. Essa foi a melhor felicitação que eu pude receber. Não dei tanta atenção a ela porque eu queria guardar logo a beca. A Peteca teria a puxado na primeira oportunidade e eu ficaria no prejuízo com o atelier. Assim que entrei no quarto, eu olhei os exemplares da Antologia Língua Animal. Eles ficam empilhados em cima da cama, junto com os meus cadernos e os outros livros que participei como autor. Eu me lembrei de alguns textos que li sobre os cachorros e como eles são os nossos melhores amigos. Também me lembrei de ti e da conversa que tivemos, antes de eu começar a me arrumar para sair de casa. Não demorou muito para as reflexões tomarem conta da minha cabeça. Até perdi o foco do que eu estava fazendo. Me sentei na cama e a Peteca veio logo atrás para tentar morder o meu pé. Ela sabia que eu ainda precisava dela. Sabe aquele conto que você escreveu para essa antologia? Eu pensei muito nele. Tem um trecho do Zodíaco que diz: 

"[...] Afinal, por que os animais se preocupam tanto em proteger os humanos? A maioria dos seres que estavam empenhados nessa missão eram mortos, caçados, viravam comida ou eram usados pelos homens. A resposta para essa pergunta possui correspondente em nossa escrita e parece perder o significado quanto mais avançamos na escala evolutiva: empatia. [...]" (LUCAS CARDOSO) 

Eu tenho empatia com a Peteca? Eu não a deixei subir na cama porque meu pai brigaria comigo. Porém, ela já colocou as patas em cima dos lençóis, já puxou meu travesseiro e saiu correndo, já comeu dois chinelos meus e outros objetos encontrados pelo chão do meu quarto. O que essa danadinha deve pensar? Eu não faço a menor ideia. Não sinto capacidade para imaginar o tamanho que deve ser o amor que esses pequenos sentem. Eles vivem bem menos do que a gente, mas conseguem aproveitar tudo sem reclamar de nada. Se bem que a Peteca não perde a chance de reclamar da ração, pois ela prefere os petiscos. Ela também reclama da cama porque a caixa de papelão parece mais confortável. Não posso me esquecer dos brinquedos que ela nem usa. Os prendedores de roupa que caem no chão são bem mais atrativos, assim como os chinelos, as meias, as toalhas de cozinha e as correspondências que o carteiro deixa aqui em casa. Bom, ela prefere as coisas mais simples e práticas. Peteca é uma menina que não dá muito trabalho e é muito presente na vida de todo mundo que a conhece. Como posso retribuir? Eu não sei... Não tenho como. É impossível fazer algo à altura. Eu amo muito essa doidinha. Ela é a minha grande heroína. E por falar em heróis, como estão o bichanos Legolas e Vênus? Eu já disse o quanto sou fã deles? Quando puder, por favor, me manda uma foto deles. Sinto saudade de ver esses lindos se espreguiçando pela casa. 

A ideia é a seguinte: que tal se nos inspirássemos na Peteca? Ela transforma tudo em um momento de alegria. Por que nós não podemos transformar um momento especial em uma nova formatura? Nós podemos alugar becas, dar um rolê por Viçosa (MG), comer pão de queijo e brincar com todos os cães e gatos de rua que aparecerem pelo nosso caminho. Tenho certeza de que a Isadora vai adorar essa ideia. É só ela se vestir de reitora para fazer a solenidade da nossa colação de grau. Legolas e Vênus são ótimos cerimonialistas e a Peteca, uma coordenadora de cursos com doutorado em balançar o rabinho. Nesse caso, trocaríamos o colocar do capelo por uma lambida na cara. Ah, sim. As selfies. Elas são indispensáveis. Não me refiro a retratos profissionais e com um ótimo trabalho de pós-produção, mas a retratos simples, espontâneos e cheios de defeitos, do jeito que sempre tiramos no meio de tanta alegria e emoção. Quem se importa com qualidade de imagem quando se está pulando com o celular na mão? Que esse dia seja tão feliz quanto todos aqueles que fazemos questão de carregar na caixinha de lembranças. Então, se prepare, meu querido. Nós não perdemos nosso posto de universitários. O que aconteceu foi só uma "entrega antecipada" de diplomas. Nós ainda vamos nos formar de verdade.

Com amor,

Jojo Campos



Comentários

  1. Uma narrativa tão leve, que parece escrever com penas embebidas em Nanquim, como os poetas de outrora.

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    1. Olá, querido Felipe. Muito obrigado pela sua leitura. <3
      Essas palavras fazem a gente se sentir especial. Tudo bem que foi um momento de frustração, mas há coisas que podem ser contornadas com os rumos que a vida toma. Eu espero poder encontrar meu querido amigo Lucas por aí. Espero que você também possa encontrar várias pessoas especiais. Todos nós merecemos a companhia de pessoas que nos fazem bem.

      Com amor,
      Jojo Campos

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