Como confiar em um diário?

 

      É uma pergunta muito difícil de responder porque cada diário é único. Alguns são tão confiáveis que até precisam de um alicate para abri-los, pois a chave do cadeado ficou perdida pelo chão do quarto e a vassoura com certeza o levou para a lata de lixo. Por outro lado, há diários tão filhos da p*** que oferecem seus segredos mais valiosos em uma bandeja de prata para o marketing digital encher as suas redes sociais e as suas páginas de pesquisa. Aliás, esse é o principal motivo pelo qual eu evito compartilhar meus segredos com diários virtuais e de aplicativos. Se um "segredo" meu foi escrito em algum desses espaços, pode ter certeza de que não medi esforço algum para mantê-lo em sua condição de sigilo. Eu só busquei uma alternativa mais viável de escrevê-lo, publicá-lo e sentir que desabafei com outras pessoas, mas minha consciência fica tranquila em relação a isso, pois eu sei que o alcance das minhas publicações é bem pequeno. Parece meio pessimista dizer uma coisa dessas. Porém, eu discordo. Não faz parte dos meus planos ser um escritor famoso. Afinal, quando digo que escrevo para não morrer, eu não me refiro a morrer de fome, eu me refiro a morrer de tédio, de raiva, de tristeza, de frustração e de revolta. Cada palavra que escrevo é um fio de cabelo que preservo no lugar, é uma grama de peso que permanece no meu corpo, é uma noite em claro que faz as olheiras valerem a pena.

      Ter um diário escrito a punho pode ser um grande desafio para quem não tem muitas opções de onde escondê-lo e como mantê-lo em segredo. Isso parte mais do ambiente e das pessoas que partilham dele. Nem adianta escrever "Não leia" porque alguém vai entender isso como um convite para mergulhar no mais íntimo eu de outra pessoa. Tem gente que vive para se meter na vida dos outros e só fica esperando a oportunidade perfeita para colocar a teoria na prática. Como eu passei metade da minha vida morando em várias casas cheias de irmãos, primos, tios e visitas cheias de intimidade com a família, meus diários não tinham privacidade, mas tinham truques. Meu primeiro diário foi escrito em espanhol. Eu usei e abusei dos falsos amigos e das gírias para confundir os intrometidos. Eu sabia que assistir Rebelde me traria alguma vantagem algum dia. Depois, eu comecei a escrever com uma caligrafia artística. Nem todo mundo conseguia entender meu f e meu t minúsculos e muito menos minhas letras maiúsculas. Se eu continuasse morando com eles, eu me matricularia em algum curso de taquigrafia só para garantir o sigilo do meu diário. Outra vantagem é que eu poderia prestar um concurso de algum órgão do poder legislativo e ter um ótimo emprego. Porém, eu voltei a morar só com meu pai.

      De 2012 para cá, eu tive a brilhante ideia de tentar buscar outras formas de ter um diário. Durante o ensino médio, minha vida se resumiu a bancar o idiota que aceitava tudo calado e que só precisava estudar para passar de ano, ou seja, nada de diário organizado. Eu escrevia em folhas aleatórias do caderno enquanto esperava o horário da saída. Às vezes, eu torcia para que ninguém parasse na minha carteira para me perguntar o que eu estava escrevendo. Eu sempre fui tão lerdo e distraído que nem percebia quando alguém estava atrás de mim, lendo linha por linha, quase declamando meus segredos como se fossem poesia. Daí veio a época do vestibular, da universidade e dos vários cursos que tentei fazer e não deram certo. Foi a época em que eu voltei a compartilhar meus textos com as outras pessoas. Eu escrevia contos eróticos inspirados nos meus novos amigos e os comentários me incentivavam a continuar escrevendo. Pena que o desânimo bateu na minha porta antes de chegar na metade do meu primeiro livro. Acredita que ele continua inacabado em uma pasta do meu computador? Um dia, eu vou criar coragem para ler tudo o que foi feito e continuar até concluí-lo. Eu também vou pedir desculpas (mais uma vez) aos garotos que eu prometi a publicação desse trabalho. Sim, mas e o diário?

      Durante a universidade, eu substituí o diário escrito pelo diário oral. O que seria isso? Bom, eu ficava sentado (ou deitado) olhando para o nada enquanto meu dia a dia e os meus segredos eram narrados sem nenhuma plateia. De vez em quando, alguém me perguntava se eu estava bem, pois me escutavam falando sozinho e chorando na ágora do meu prédio. Eu sei que, pouco tempo depois, eu procurei fazer psicoterapia. Não havia confiança em um diário escrito em língua estrangeira, em letra quase ilegível, em pedaços aleatórios de papel... Falar demais sozinho era preocupante. E depois? Eu passei um tempo tentando me encontrar em alguma profissão. Quando eu me encontrei, passei uns dois anos tentando recuperar esses anos "perdidos". Isso quer dizer que eu passei dois anos sem nenhum tipo de diário por falta de tempo. Eu acordava cedo demais e voltava muito tarde para casa. A rotina do desgaste estava virando costume até a pandemia do COVID-19 interromper tudo isso. As universidades suspenderam os calendários acadêmicos, as escolas suspenderam as aulas e eu fiquei sem estudar e sem trabalhar. Foi quando eu voltei a escrever um diário, mas em forma de cartas. As primeiras eu escrevia e picotava logo em seguida. Ainda não aprendi a confiar em um diário.

      Apesar de tudo, eu continuo escrevendo neles porque eles me servem mais como um livramento do que um cofre de segredos. Hoje, o intrometido que se atreve a ler o que não é da sua conta, no máximo se sente ofendido por ter vestido a carapuça de alguém (com o nome trocado) que eu descrevi exatamente como ele é. Eu não esquento a cabeça com isso porque meus sigilos estão muito bem escondidos entre inúmeras anotações de aulas e palavras repetidas com a minha ansiedade. Essa é a vantagem de ter um caderno de doze matérias para as aulas remotas de cinco disciplinas. Ninguém se interessa por ler o que eu estudo. Já os meus segredos não tão secretos eu escrevo por aqui, de forma diluída entre os textos. Como eu sou um "blogueiro invisível", esse espaço continua sendo meio secreto para mim. Dá para confiar um pouco nele.

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