Carta aberta à autora Helena Medeiros
Querida Helena Medeiros,
O que você está aprontando neste
exato momento? Eu estou ouvindo Ariana Grande enquanto escrevo esta carta.
Quase não consigo encontrar um momento para colocar minha playlist para tocar.
Deve ser porque passo o dia inteiro com os ouvidos ocupados. A gente até
conversou sobre isso recentemente. Minha carga horária de aulas remotas é de
arrancar os tímpanos de qualquer um. Eu sinto um pouco de dor de cabeça sempre
que a última aula se encerra. Sabe como é querer tanto um descanso, mas ele só
dura dez ou quinze minutos? É o tempo que eu uso para beber água e ir ao
banheiro entre uma aula e outra. Quando tenho sorte, consigo pegar alguma coisa
para comer. Minha rotina ficou desse jeito porque eu continuo desempregado. Não
consegui me manter nem mesmo na informalidade. Essa pandemia acabou com quase
todos os meus planos.
Eu encontrei aquele seu
primeiro conto publicado, “Eternamente”. Não entendo como um edital o
recusaria para publicação. Eu adorei o que eu li. Achei interessante o modo
como o narrador personagem narra o seu presente com os resquícios de um passado
tão completo que parece eterno. Tem um trecho que diz: “Lembro-me das últimas
palavras: viva intensamente, porque se não for assim eu ficarei muito infeliz.
E me deu um beijo, o último beijo. Ainda estava segurando a sua mão quando a
senti soltar lentamente [...]”. (HELENA MEDEIROS) O que seria viver
intensamente? Eu não sei o que é o intenso na prática. Acho que só usei essa
palavra quando eu escrevia contos eróticos. Eu li essa palavra em vários textos
literários e não literários. São tantos significados, mas isso existe fora do
dicionário? Se algum dia, eu descobrir, eu prometo que vou te procurar só para
te contar. Sinto que será a descoberta de nossas vidas.
No caso da sua obra, como viver intensamente após
perder a amada? Quando a angústia toma conta do corpo, não há pés que possam se
manter firmes ao chão duro e gelado como a perda. O intenso que suga o ar dos
pulmões cede lugar às lágrimas. Eu não viveria intensamente... Eu nunca perdi
uma amada porque nunca me apaixonei por uma mulher, mas já perdi uma avó, uma
amiga, uma conhecida, uma pessoa especial de longas datas... Não houve calmante
nem parentes para me segurar, pois eu não tive a oportunidade de me despedir
pessoalmente. Eu sempre fiquei aqui, em cima da cama, enquanto o número de
mortos não para de crescer. Deve ser difícil pensar no intenso durante a
quarentena, ainda mais quando estamos isolados em nossos quartos, dividindo o
teto com as tristezas do dia a dia e a ansiedade de um futuro que não se parece
muito promissor, como se vivêssemos eternamente uma mesmice angustiante. Não sei
quanto tempo mais vou aguentar isso...
A gente pode bolar algum plano
para sair dessa. Eu andei praticando confeitaria, estudando as técnicas do bolo
de pote e dos brigadeiros. Só não encomendei um slogan na sua mão porque eu
ainda não tive coragem para ir embora de casa. Eu gostaria de vendê-los na rua,
próximo à maior padaria do meu bairro. Faz tanto tempo que não tenho mais
nenhum aluno para dar aula. Então, eu ando sem dinheiro até para pagar minhas
cotas de participação nas antologias literárias. E você? O que você pensa em
fazer para sair daí? Eu tenho certeza de que você vai achar um plano excelente
para isso. Você nunca decepciona na criatividade. Sinto que não vai demorar
tanto assim. Eu posso ouvir sua liberdade cantando como a minha. Ela canta como
os pássaros, mas as asas são suas. Eu também tenho um par de asas parecido com
o seu... É questão de tempo para a gente finalmente voar.
Com
amor,
Jojo
Campos
Mini carta resposta improvisada para Jojo Campos
ResponderExcluirQuerido Jojo,
Fico muito feliz que tenha gostado do meu conto, tenho um carinho muito especial por ele!
Vou te contar uma coisa, eu já fiz (e ainda faço) muitos cursos, claro que não sou doida como você *risos*, mas percebi uma coisa que logo depois alguém me contou (e adoraria que tivesse me contado antes de eu demorar tanto para descobrir). A gente passa muito tempo se dedicando a aprender, aprender... O que não é algo ruim. Mas a gente pode acabar se sabotando, sabe? Eu fiz isso comigo por anos. É tipo: não me sinto preparada, vou estudar mais. Só que a gente nunca vai ter o momento perfeito para arriscar. Tenho certeza absoluta que você pode ter oportunidade de trabalhar em casa, de criar um curso dando aula e vendê-lo, de dar mentoria... Isso seria um passo inicial, antes de fazer o que de fato quer (ou se apaixonar por isso). Eu vou continuar nas minhas loucuras e seguindo buscando novas alternativas no que não dá certo. E quero muito que você cresça como escritor, então nos momentos em que não puder pagar para participar de Antologias, vai como autor independente! Publica na Amazon, dá para ir ganhando algo lá! Se não quiser mostrar o nome/rosto, cria pseudônimo, um Instagram para divulgá-lo e vai com tudo! Com certeza terá meu apoio no que eu puder ajudar! Também sei que a vida bate com força, não há como não nos sentirmos tristes, chateados, desmotivados, revoltados... O que não podemos é nos acostumar com tais sentimentos e pensamentos negativos. Alimentá-los, sabe? Por mais que pareça absurdo em alguns momentos, temos que focar no que de bom esperamos que aconteça e fazer por onde.
Sei que vamos voar! Mesmo que no momento haja muita neblina e a gente ainda esteja acorrentado (inclusive pelos nossos próprios pensamentos), porém vamos conseguir! Estou até achando a neblina mais fraca e consegui ver a corrente começando a se quebrar!
E, olha, ouvi que lá do alto a visão é linda! Ansiosa para a gente ver!
Com amor,
Helena Medeiros.
Olá, querida Helena. Muito obrigado pela sua leitura.
ExcluirEu adorei a sua carta resposta. Agradeço também pelos conselhos. Nosso tempo de asas cortadas já acabou. Agora é só esperar a neblina passar.
Com amor,
Jojo Campos